Páginas

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Cartas ao meu outro eu-Capitulo 4


                                                Capitulo 4


"Que pensas fazer?" Perguntou Alessandra,quase adivinhando o que lhe passava pela cabeca."
“ Nao sei…Mas ha alguem que nos poderá ajudar.” “ Quem?” “ Só há uma pessoa que poderia ter as respostas  para tudo isto, que estava lá quando..quando aconteceu.O meu pai”.
Fernando tirou do bolso o telemóvel e dispôs-se a marcar um número..lentamente, como se o sangue se esvaisse das mãos, marcou os digitos..Esperou…
”Pai?”
“Fernando…?”
“Como estás?”
“ Bem…presumo que me estejas a telefonar por algo mais para preguntar como estou.”
“ Sim…Bom, na verdade não sei como explicar, mas…preciso de te ver.”
“ Aconteceu alguna coisa?”
“Não..quero dizer, sim mas é complicado explicar por telefone.Preciso de falar contigo sobre algo. Amanhã mesmo posso apanhar o avião.No mesmo sitio?”
“ Sim, aquí continuo.”
“Até amanhã então”
“Adeus.”
Fernando desligou o telefone, e pequenas gotas de suor apareceram-lhe na testa.Guardou o telemóvel e ficou pensativo, a olhar para Alexandra.
“ Que foi? Estás bem?”
Faço-te outra pergunta:”Que te parece passarmos o fim de semana em Portugal?"Alessandra olhou-o com ternura." Queres mesmo que vá contigo? E se o faço,que significará tudo isto entre nós? " "Seja o que for,só sei que me sinto bem contigo perto.Das-me confiança..." "Só confiança?"Disse Alessandra,chegando-se a ele." Vou contigo."" Optimo.Há um voo ás 12.30,podemos apanhar esse.""Ok" disse ela olhando uma vez mais para o cenário dantesco que se deparava diante de eles,decidindo-se por ir apanhando do chão os tubos de tinta meio vazios,os pincéis sujos ainda com a tinta da véspera entre outros utensílios que se amontoavam pelo chão.Quem teria sido o autor de tamanha acção? E se alguem tinha entrado em casa,como o teria conseguido sem fazer um mínimo ruido? As respostas essas viriam de onde menos esperavam..

O vôo proveniente de Amsterdam aterrou no Aeroporto da Portela ás 14.30.Quando sairam pela porta do avião,sentiram a brisa banhar-lhes a cara. Uma nostalgia de quem tinha há muito deixado para tras as suas raizes apoderou-se de Fernando, fazendo-o pensar nos dias  passados em Lisboa .Sempre que voltava,experimentava essa sensação de emigrante,uma especie de nervoso miudinho no estômago.Alessandra estava eufórica,e assim que pôs um pé fora do aeroporto,deixou-se banhar pela luz do sol.O brilho dos seus olhos verdes brilhavam ainda com mais força e o seu cabelo ondulado  acariciava-a como se das ondas se tratasse.
"Belisimo!!! Adoro esta luz,este calor...é como estar em Italia!" Dizia Alessandra,e Fernando apenas apreciava calado como ela se movia,se movimentava,e cada vez mais se deixava seduzir pelos seus gestos,pela forma especial como mordia o labio inferior quando não estava segura de algo.No fundo,ele adorava-a e ela sabia-o,deixando-se também levar por ele,os seus sonhos,as suas ilusões que um dia esperava que fossem também as suas. Alessandra era uma rapariga de uma geração em que tudo acontecia muito depressa.Crescera numa família em que as relações entre eles eram mais bem distantes,pois a mãe de Alessandra,apesar de ser uma pessoa que se esforçava para dar o melhor aos filhos,tinha consigo a mania de se lamentar de tudo e de nada,não sendo poucas as vezes que uma e outra vez desesperava as filhas e o marido com um negativismo tal. Cansado de tanto lamento o pai de Alessandra decidiu levar a familia para o sul de Italia,perto de Regio Emilia,onde se convenceu que o que a mulher precisava era sol e calor para lhe aumentar o animo.Por ali se mantiveram varios anos até que com a crise e escassez de trabalho,voltaram outra vez a Roma,onde se mantem até hoje.Decidida a não passar pelo mesmo que a mãe, desde cedo ganhou a determinação de não depender de ninguém para viver,e decidiu sair de casa, ir para Amsterdam estudar e trabalhar,provando a ela mesma que poderia construir algo para ela,sem ter que escolher a vida ingrata que muitas raparigas da sua idade ,as vezes aliciadas por promessas vazias de muitos homens,tendem a prostituirse num dos muitos locais de alterne em Amsterdam,abatendo cada dia a sua auto-estima e uma dignidade perdida que a muito custo conseguem recuperar Mas Alessandra nao tinha essas ilusões. Queria poder sentir-se bem com ela mesma, e depois de passar alguns anos em discotecas e bares, divertindo-se, chegou a um ponto de auto-saturação onde já nada lhe satisfazia.Voltou para Italia.Para as suas raizes, tentanto voltar ao ponto de partida . Mas as vezes é quase impossivel.Já não somos os mesmos, nunca mais.È como jogar xadrez, um movimento em falso, uma jogada mal feita e dão-nos xeque-mate. A Alessandra  parecia-lhe que a vida dela estava um pouco nessa situação.Quando voltou a Amsterdam, para passar uns dias e rever velhos amigos, tinha pensado encontrar-se com Fernando,tinha um sentimento especial por ele, não sabia bem o que era, mas sentia-o bem vivo dentro. Tinha sido o único amigo que ai havia estado, quando depois de uma noite de copos e alguma ou outra substancia á mistura, montou uma cena num dos bares mais conhecidos de Amsterdam.A derradeira cena em que foi posta cá fora, atirada literalmente para a rua, não trouxe compaixão nem misericórdia dos que outrora se diziam seus amigos..Apenas um, que se levantou, ajudou- a a limpar-se e a levou para um lugar seguro.Seguro dela mesma, e dos fantasmas que lhe assolavam a mente, a penumbra daquelas ruas que de repente eram como braços gigantes que a queriam tocar, romper, matar. Alessandra sentia-se perdida e ainda assim restava-lhe algo de dignidade, algo de capricho infundado na sua personalidade, que não lhe permitia afundar-se totalmente. Fernando sabia-o desde que a tinha visto e essa parte nela era o que o atraía, que o guiava naquela imensa escuridão que era Alessandra por dentro.

Apanharam um taxi que os levaria até á casa do pai de Fernando, indo pela Gago Coutinho até ao Areeiro e depois continuando pela Almirante Reis, chegaram a um edifício antigo, ladeado por um descampado.O Taxi estacionou à porta do predio, Fernando pagou ao homem e dirigiram-se á porta do numero 48. Antes de entrar, Fernando olhou Alessandra nos olhos como que procurando uma confirmação do que estavam prestes a fazer, e tocou á campainha.
 Nao houve resposta.Uma vez mais, Fernando pressionou o botão do 2 andar, mas ninguém que respondesse do outro lado."Estranho" pensou enquanto tentava imaginar onde poderia estar o seu pai, se bem que não tinha ideia da vida que levava."Disse-lhe ontem que chegaria a esta hora..Onde será que se meteu?"Alessandra estava parada a seu lado, quando viu que a porta do velho edificio se encontrava entreaberta, deixando ver uma tenúe sombra do interior."Olha, está aberta, se calhar podemos passar e esperar á porta dele.Não devera demorar muito, não achas?" Fernando assentiu e decidiram entrar, e subir as escadas que os levaria até á porta do apartamento.Quando chegaram ao cimo, notaram que a porta do mesmo estava encostada, como se alguém tivera estado ali antes...Abriram a porta do apartamento e cuidadosamente, seguiram por um corredor, que terminava numa sala, cheia de livros, uma mesa pequena, e alguns quadros e telas guardados num canto.Parecia tudo intacto, como se simplesmente se tivesse esquecido da porta aberta ao sair..."Pois não esta aqui" disse Alessandra, resignando-se ao facto de que teriam então de encontrar um local para pernoitar, já que ficar ali sem a autorização do inquilino era no minimo mal -educação.Fernando continuava ás voltas no apartamento, observando tudo meticulosamente, como  que buscando algo que indicasse o porque da ausencia do pai, quando reparou num pequeno objecto no chão, algo familiar que lhe fez regressar no tempo ...Ao aproximar-se , viu que era um pequeno cilindro, amarrado a um fio.A memoria de Fernando começou a retroceder até há vários anos atrás, quando um dia no atelier do seu pai, o viu receber este objecto das mãos de um amigo árabe, que o tinha ido visitar a Lisboa. O pai havia ido uns meses antes ao Dubai, convidado por um amigo português que ali trabalhava há alguns anos, convencendo-o a visita-lo uns dias.Quando voltou, recebeu como presente um pequeno objecto de metal, agarrado a uma corrente.”-Serve para guardar  o que de mais precioso tens,Julio” Disse o árabe ao pai de Fernando, enquanto se despedia dele, entrando num jipe que o levaria de volta ao deserto, uma pequena vila chamada Tawil Bin Hashil, ao este de Dubai.De volta a casa o pai de Fernando lembrou-se outra vez das palabras do árabe..”-Serve para guardar o que de mais precioso tens.”
Que quereria ele dizer com isso..?




                                                                ***