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sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Cartas ao meu outro eu-Capitulo 2

                                                                                                  

                                                                 

O espaço estava cheio de objectos que Fernando diariamente utilizava  para poder construir as suas telas..Ao contrário do pai, que utilizava as cores como ferramenta e veiculo de emoções , ele utilizava-as como um complemento no seu trabalho.Uma vez mais as imagens da noite anterior vieram-lhe á mente..."-Telas, uma mulher..a cor forte atravessa-lhe o corpo...não se lembra..Quem era?"Cadeiras,papeis, fotografias, tudo se amontoava numa parte do atelier, no lado oposto á unica janela por donde a luz entrava...As telas,
 essas ganhavam vida por todas as partes, já que Fernando tinha o habito de pintar varios quadros ao mesmo tempo, trocando com facilidade de palete, sem que isso lhe causasse grande preocupação..mas hoje era diferente. Não conseguia deixar de pensar naquela mulher de cabelos vermelhos, com um manto de quadrados de varias cores, que ondulavam pelo seu corpo e que de repente se materializava mesmo á sua frente, para desaparecer logo a seguir..."-Porra!" -pensava ele, antes de se entregar á rotina de cada dia, entregando-se ao
que mais gostava de fazer, ao que mais prazer lhe dava nestes dias, não fosse as imagens que uma e outra vez lhe vagavam pela mente dessa mulher de cabelos vermelhos.

Mas hoje seria diferente e Fernando sabia-o.Há dias atrás, um email enviado desde uma galeria na Austria dizia-lhe que, depois de terem visto os seus trabalhos, queriam fazer uma exposição das suas melhores obras e dar-lhe a conhecer ao um outro publico, um mais refinado, culto e com vontade de comprar algumas obras de arte."-Outros que dizem ser o que não são" '-Pensava Fernando, enquanto á memoria lhe vinham os dias passados no atelier do pai e na galeria do Hotel em Lisboa, onde se reuniam os " grandes" da sociedade lisboeta, mas
 que não passavam de novos-ricos com dinheiro para gastar, supunham que a arte era um negocio como outro qualquer,onde se ganhava apostando no artista que mais rapido subiria a sua cotação nesse ano, seja através de exposições internacionais ou de qualquer outra maneira, o que importava era ver o dinheiro investido duplicar dentro de pouco tempo, fazendo com que as exposições no Hotel se parecessem mais a um qualquer casino de Las Vegas, onde o melhor apostador ganhava o premio.Mas hoje, com a chegada de um emissario da tal galeria austriaca, Fernando predispunha-se a ditar ele as regras, sem querer entar na roda do dinheiro, e seria ele a decidir que obras seriam expostas e quais nao."-Hoje sou eu que mando, sou eu que
decido.."- Dizia convencendo-se a si proprio que assim seria.

Durante toda a manhã esteve concentrado no seu mundo, terminando o que seria uma serie de quadros nova, sobre cavalos e mulheres, e mundos imaginarios, ocasionalmente trazido de volta á realidade pelo soar da musica do ballet de Nureyev, e pelo constante ruido dos pés do vizinho batendo no soalho tentando imitar quem foi um dia um dos maiores bailarinos russos.
Mais tarde, saiu para se encontrar então com o tal enviado da galeria, o tal que haveria de decidir quais os trabalhos haveriam de ser expostos e quando." -Hoje não," -pensava ele.
" - Hoje sou eu que decido .."O encontro tinha sido marcado para as 15 horas, num café que ficava a uns quarteirões da sua morada.O tempo, como era de prever, já há muito que se tinha tornado nublado, e os unicos fios de luz que se infiltravam pelas nuvens não eram suficientes sequer para fazer aparecer a sombra do mais pequeno dos pardais, que de arvore em arvore se dedicavam a comer pequenos pedaços de pão esquecidos por um qualquer transeunte que passara no parque essa manhã.Não fazia frio, mas um vento gelado batia-lhe na cara, enquanto cruzava a ponte que atravessava o canal para logo chegar ao café acordado para o efeito.Lá dentro, procurava alguém que se parecesse a um tal Mr.Schimdt, unica referencia que tinha entendido do email enviado há algumas semanas atrás."-E como raios se parece um Schimdt?"-pensava como se tal fizera sentido na sua cabeça.Olhava em varias direcções até que se decidiu sentar numa das mesas perto da janela, e onde prontamente veio um empregado perguntando-lhe se gostaria algo para tomar.
"Uma 7UP." Pediu, sendo já normal sentir-se observado,já que a aversão ao alcool tinha sido herdada do pai, fazendo-o sentir como que se não pertence-se a este tipo de ambiente, a este mundo.Enquanto isso, continuava á procura do tal Mr.Schmidt,quando de repente uma mulher, de feições asiaticas, vestida com uns jeans e blusa preta, aproximou-se e perguntou-lhe se era ele Fernando de Sousa, com quem tinha tido o prazer de trocar emails há algumas semanas atrás. Fernando levantou-se, não podendo esconder a surpresa de quem se surpreende com algo que não estava á espera." - Sim, sou eu" -disse no seu Inglês com sotaque, ficando por breves momentos a olhar para a figura que diante se apresentava."- I'm Mrs.Schmidt".Apresentou-se  lendo na sua cara uma admiração como quem já tivesse passado por aquela situação varias vezes antes."Aposto que pensava que eu era austriaca..ou tavez alemã..ou até mesmo Inglesa.mas tudo menos asiatica"Disse, sem esconder um sorriso como que se diverte com a situação." Sim, na verdade quando li o seu nome no email, não esperava que fosse ..bom, não estava á espera de uma Sra., muito menos asiatica."  Confessou, tentando manter-se serio com aquela afirmação." Sim, é normal, todos pensam que Schmidt se refere a um homem, e quando me veem, a surpresa é a dobrar.Na verdade, sou alemã, de ascendencia filipina.A minha màe era Alemã, e o meu pai filipino.Vieram para a Austria quando ainda eram jovens."Disse, como para recitar uma afirmação que decerto já teria sido feita vezes sem conta."- Mas vamos ao que interessa, Sr.Sousa.Como lhe comentei no email, estamos interessados em expõr as suas obras numa exposição em Viena, que será agendada para dentro de dois meses.Gostariamos de poder assinar um contracto, assim como delimitar o numero de obras a expôr.Está de acordo?" -perguntou, aguardando por uma resposta." -Se estou de acordo?" -Disse Fernando, tentando assimilar toda a informação e buscando uma resposta que se adequasse ao que queria dizer"-Claro que quero,!"-Pensou, mas conteve-se alguns segundos até se acalmar e poder mostrar que era ele que decidia, ou isso pensava, embora já  soubesse que a decisão estava tomada.
 Iria expôr numa galeria no coração de Viena, assinando um contracto que lhe garantia pelo menos nos dois próximos meses fundos suficientes como para não ter de pensar em como e a quem iria vender o seu próximo quadro.
Assim que a Sra.Schmidt saiu, abriu o guarda-chuva que prontamente tirou da sua mala, já que do céu começavam a cair as primeiras gotas de chuva, facto que já o tinha habituado ao inconstante clima
holandês, mas nem por isso deixou de sentir dentro de si uma sensação de vitoria, de orgulho em si mesmo por ter conseguido esta exposição.É certo que teria que dividir os lucros do que ganhasse em 50% com a galeria, mas mesmo assim, era para ele toda uma victoria.Ao sair do café e girar a esquina em direcção a ponte, pensou no pai e na expressão que punha quando o tentavam convencer a expõr no estrangeiro, e ele, desculpando-se pelo facto de nunca o entenderem, continuava a declinar qualquer convite nesse sentido."Se me visse agora.."Pensou, enquanto caminhava em direcção a casa.
Ao abrir a porta, uma sensação estranha atravessou-lhe o corpo.Parou.Pôs-se à escuta, diante da porta semi aberta.Já nao se ouvia o Ballet de Nureyev, nem o saltitar do vizinho.Tudo era silencio, como se de um véu se tratasse.Fechou a porta detrás de sí, e...ao girar a esquerda e entrar no atelier, viu que o quadro que horas antes tinha estado a trabalhar, estava agora numa outra posição, como se o tivessem girado."- Estranho.." Pensou, não se lembrava de o ter girado , muito menos de o ter deixado naquela posição.Mas a reunião com a Sra.Schmidt estava ainda bem presente na sua memoria ,assim que começou a fazer contas e a ver de quantos e quais quadros teria de enviar à Austria, assim como preços, gastos de envio, etc..Mais tarde, sentou-se num pequeno sofá, num dos cantos da casa, sofá esse que tinha sido deixado por um dos antigos inquilinos, feito de um cabedal verde-escuro,e mostrando a marca de arranhaços o que delatava a outrora presença de animais domésticos.

Ao contemplar todos os quadros que havia criado num tão curto espaço de tempo ( e eram mais ou menos como 40 obras, empilhadas umas atrás das outras nos vários espaços disponíveis no atelier), prendeu o olhar com um pequeno objecto vermelho, encostado a um dos cantos que faziam sombra juntamente com uma dezena de quadros de grandes dimensões encostados a uma das paredes..Levantou-se ,intrigado pelo o que seria aquilo já que não se assemelhava a nada que lhe parecesse familiar, até que quando o viu, apanhando-o do chão, ficou surpreso." Cabelo..vermelho..???!!". Pensou, intrigado, já que a ultima mulher que tinha pisado o seu atelier tinha sido há uns bons dois anos atrás, quando, afectado por uma relação amorosa que tinha acabado abruptamente, decidiu entregar-se aos prazes mundanos, qual Picasso adormecido, e convidou uma amiga para lhe fazer companhia, entregando-se a umas horas de prazer sexual, onde as telas e tintas jogaram com os corpos e a voluptuosidade daquele ser feminino lhe fez vir vezes sem conta..Foram apenas 3, durante largas horas, mas ele preferia pensar que tinham sido mais.Contudo, aquela mulher tinha o cabelo preto, ondulado, de ascendencia latina, não sendo por isso dona daquela mecha de cabelo."- Donde raios  apareceu isto?" Pensou, tentando concentrar-se nalguma explicação lógica para o achado, nao deixando de sentir um nervoso miudinho atravessar-lhe a garganta.
Por muito que pensasse, nao conseguiu encontrar uma explicação que lhe valesse para conseguir entender como aquela mecha de cabelo vermelho tinha ido ali parar,muito menos encontrar-se no seu atelier.Convenceu-se de que tinha sido por meio de algum amigo que recentemente o tinha visitado, pois era comum Fernando receber visitas de amigos que tinha feito nas varias viagens pelo mundo, nomeadamente pela América Latina.Assim, mais calmo, guardou o pedaço de cabelo dentro de uma gaveta e não mais pensou nele.
Naquela noite,foi invadido por um sonho:Via uma mulher baixa, que lhe falava e sussurrava ao ouvido palavras que não entendia, mas que lhe pareciam familiares.Detrás aparecia uma cama com barras de metal finas, em que convergiam até um ponto infinito num mundo povoado por gotas de chuva.A mulher falava com ele, estendendo o braço, e envolvendo-o com o seu cabelo vermelho, como se de um lençol se tratasse, até que o tapava por completo..Fernando acordou de repente, mas manteve-se imóvel na cama, talvez pelo cabelo da mulher que ainda lhe assolava a mente.Respirou fundo e tratou de se concentrar para dormir outra vez, mas as muitas imagens que agora deambulavam pelo quarto, faziam-lhe impossivel conciliar o sono, assim que resolveu levantar-se e dar uma olhadela ás noticias do dia na Internet.O relógio esse marcava as 6h54 e os primeiros raios de sol entravam pela janela,fazendo possivel discernir na sombra uma tela em que se via pintada uma mulher, com um manto de varias cores nos seus ombros.

No telefone, o som caracteristico de recibimento de mensagem fez a sua aparição...Quem seria aquela hora? Era Alessandra.Uma amiga italiana que tinha vivido alguns anos em Amsterdam, mas que por vissicitudes da vida, resolvera voltar a Italia, com grande pena de Fernando, já que a considerava uma das mulheres mais actrativas que alguma vez tinha visto. Os olhos verdes de Alessandra contrastavam com o carácter forte e decidido , ou nao fosse ela uma "Romana", nascida e criada no Bairro de Trastevere, como se de um filme de Woody Allen se tratasse.Alessandra avisara-o de que viria a Amsterdam uns dias, visitar uma amiga, e levar o resto das coisas para Italia, assim que se ele quisesse, poderiam ver-se num dos muitos cafés em Amsterdam, onde tinham já partilhado muitas noites de saidas nocturnas e algum encontro ocasional.Nunca  tiveram uma relação, mas Alessandra era daquelas mulheres em que é impossivel dizer que não, já que a voluptuosidade das suas curvas aliadas ao caracter que desprendia, fazia- a ser desejada pela maioria dos homens,sendo Fernando uma presa facil de conquistar, e embora ele o soubesse nem se importava muito com a questão, pois bastaria umas horas com ela para se deixar levar pela imaginação e de ai surgiriam uns quantos quadros mais,sendo assim gratificante para os dois o reencontro.Alessandra estaria no dia seguinte na estação Central de Amsterdam, e dai seguiriam para o Centro, pela Dam, chegando a uma das famosas praças da cidade, onde poderiam depois decidir o que fazer, mas Fernando tinha a esperança de poder provar outra vez do prazer que Alesandra lhe porporcionava.
Horas mais tarde, já vestido e pronto para mais um dia de afazeres e pinturas, o já caracteristico som do andar ao lado permitia-lhe saber que era já hora de se pôr a trabalhar.A pontualidade do vizinho com o "Song of a Wayfarer"marcava o ponto de partida para uma jornada de pintura e inspiração que vinha por meio de pequenos pontos e quadros que marcavam o ritmo, ao compasso de Nureyev.A mensagem de Alessandra horas antes tinha-lhe deixado entusiasmado e os seus sentidos e apetite sexual estavam agora em ebulição, imaginando-se nos braços daquela italiana, ou simplesmente quando ela posava para ele das mais variadas posições e feitios, transmitindo uma confiança que ele práprio tentava transmitir nos seus quadros.

No final da tarde, adormeceu exausto no sofá verde-escuro, enquanto que o entardecer ia levando consigo os raios de sol, difuminados entre as nuvens que depressa se faziam sentir, adivinhando uma noite de trovoada ou pelo menos chuva intensa."Um quadro...uma mulher..cabelos vermelhos..um quadro com um rosto..quem é...quem é??A mulher chama-o para si, toca-lhe o rosto, mas não sabe quem é..O quadro por terminar deixa transparecer uma figura..um Atelier, outro sitio, outro tempo..O seu pai..enconstado a parede, mãos na cara..Chove...O quadro por terminar..um copo que cai no chão..".-Fernando desperta de um salto, com as imagens ainda vivas na sua mente, e sentindo as mãos humidas e frias, como se a chuva o pudesse tocar.A penumbra invadiu o atelier, e sombras de telas amontoadas fazem a sua aparição.Respira fundo, tentando recuperar os sentidos e a razão, enquanto que a chuva lá fora cai fortemente, misturando o cheiro a terra com o cheiro a óleos que emana do apartamento..."-Devo tar a ficar maluco...Estes sonhos estão cada vez mais reais.."pensa, enquanto muda de ropa, trocando a bata de pintura por uma t-shirt negra,com o logotipo de uma das suas bandas favoritas.Por segundos senta-se no sofá, pensando uma vez mais nas imagens que visualizou no seu sonho..O seu pai, o seu atelier..um quadro ..que quadro era aquele? Não se lembra de o ter visto nunca, e muito menos que o tenha feito o seu pai..quem seria aquela mulher?Quem o haveria pintado?"

As perguntas iam se acumulando na cabeça de Fernando como moscas em carne putrefacta..Há varias semanas que lhe perseguiam imagens de essa mulher,cabelo longos,vermelhos,que lhe chamava incessantemente,misturada com imagens do seu pai,mãos na cara,o atelier, a chuva, noite..e um vulto.Lembrava se de,esta vez ter visto um vulto.Uma vez mais tentou esquecer as imagens,mas tinha amanhecido um pouco de mau humor,e nem quando ouviu as primeiras notas vindas da casa do vizinho,pode mudar o semblante.Necessitava sair e respirar ar fresco,ir comer algo,talvez assim pudesse esquecer tais imagens e concentrar-se nas pinturas que preparava para a exposicão.Enquanto descia as escadas,viu que o carteiro tinha deixado algumas cartas na soleira da porta,sendo uma delas. da galeria com quem tinha acordado por meio da Sra Schmidt há 2 dias atrás.Agradeciam-lhe a gentileza de colaborar com eles,e pediam-lhe generosamente que lhe enviasse por email os seus dados bancarios para procederem ao pagamento da primeira prestação: pagar-lhe-iam por 3 dos seus quadros com medidas entre 100 x 80 cms,500 euros por cada
um,sendo os restantes 17 á comissão,se vendessem,muito bem,se não....
" È um bom negócio, pagam-me por três quadros, venda-os ou não, e depois o resto já veremos".
Fernando apressou-se a subir de novo as escadas e enviar sem demora os detalhes pedidos,e como ainda se sentia perturbado pelas imagens da noite anterior,decidiu uma vez mais voltar á rua e refrescar as ideias.Lembrou-se no entanto que hoje tinha marcdo um encontro com Alessandra,o que lhe fez passar toda e qualquer perturbação,sentindo um peso sair-lhe de cima."Alessandra..." pensava,imaginando a noite loca em que ambos passariam fazendo amor,recordando velhos tempos,e quem sabe começar algo novo.


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