Capitulo 3
A estação Central de Amsterdam apresentava um aspecto marcado pelo rebuliço de gente saindo e entrando nos apeadeiros, e nos comboios que lhes levaria a varios destinos na Europa, ate Paris, Viena, Barcelona, Berlim..O facto de vivir na Holanda permitiria usufruir de uma rede de transportes do mais moderno e viajar até onde fosse necessário, sem ter que dispender uma imensidão de horas num assento de combio.
Fernando chegou uns minutos antes do combinado, limpando-se o suor da testa e ajeitando o sobretudo negro que trazia posto, já que aquela hora da tarde o frio que se fazia sentir pedia algo mais grosso sobre a pele.Dirigiu-se a passo acelerado ate á entrada do Starbucks, onde tinha combinado encontrar-se com Alessandra, e ai ficou , perdido nos seus pensamentos, encostado a uma das maquinas de emissão bilhetes que havia no recinto.Veio-lhe á mente a ultima vez que tinha estado com ela, num parque em Delft, cidade mais ao sul da Holanda, onde tinham ido visitar as ruas e praças,pois Alessandra era uma apaixonada pela Arte Medieval.Enquanto assim estava, uma voz familiar apareceu e passando-lhe o braço detrás das costas, cumprimentou-o com um beso no rostro."Alessandra!!!! Que bueno verte otra vez!!Como estás?" "Molto bene! Mi mancavi Fernando..!!" disse agarrando-lhe fortemente contra o seu peito e abraçando-o enquanto sentia o seu perfume. Apesar de Fernando não falar italiano, e Alessandra não entender Português, conseguiam comunicar-se , já que os dois dominavam o Castelhano , se bem que cada vez que se viam eram poucas as palavras utilizadas.
Sairam juntos para a rua, onde decidiram caminhar até ao Centro da cidade, caminho que conheciam bem dos tempos em que , ainda a viver em Amsterdam,Alessandra decidira frequentar um Curso de Historia Medieval, e onde depois de 6 meses, festejou a todo o alto, num dos cafés de Amsterdam junto a Fernando e alguns amigos mais chegados.
Alessandra era uma mulher que se dava bem com toda a gente, mas com Fernando era especial, algo mais intenso,unico.E ele sabia-o.E a ele fascinava-o como ela contava uma e outra vez historias e lendas da época,nomeadamente a da rainha D.Leonor e D.Pedro , facto que muito admirava, já que Alessandra estava melhor informada da própria Historia de Portugal que ele mesmo."Como estás Fernando?Como vão as exposições?"
"Bem...não me posso queixar.Ontem estive com uma representante de uma galeria, que me quer levar a Viena..Imagina, eu em Viena."
"E porque não?Tens todo o talento para poder expõr ali" Dizia Alessandra, agarrada ao braço direito de Fernando enquanto se encostava ao seu ombro, fazendo com que o seu perfume se misturasse com o ar frio da noite, causando-lhe uma agradavel sensação de conforto..
" Vejo-te muito calado...Passa-se alguma coisa?" Perguntou Alessandra vendo que o braço dela não surtia o efeito desejado.
"Não, não..bom, na verdade há já algumas semanas que.."
" Que o quê?"
" Que tenho estes..sonhos, se é que se podem chamar assim."
"Que tipo de sonhos..?"
" Vais achar uma estupidez."
" Bom, não seria a primeira vez,mas.." Disse sorrindo,aconchegando-se cada vez mais a Fernando, já que o vento agora soprava mais forte e gelido que anteriormente, fazendo-os procurar um local onde se pudessem abrigar.
Encontraram um café numa das varias ruas que saiam da Leidseplein ,conectando as varias arterias da cidade, e ai entraram.O fumo a tabaco e o ambiente quente contrastou com o frio da rua,e sentaram-se numa das mesas vazias ao pé da janela.
" E?..conta-me então que tipo de sonhos andas a ter..ou será que já os conheço?" perguntou lançando a Fernando um olhar provocador, fazendo-o recordar a sensação que horas antes tinha experimentado, quando pensava no reencontro com Alessandra.Sorriu.
"Não, não é esse tipo de sonho que me refiro..é algo mais...profundo.Há já algumas semanas que sonho com uma mulher, com cabelos vermelhos, e um manto que lhe cobre o corpo..as vezes vejo-a como num caminho interminável, outras aparece mesmo a minha frente como a querer tocar-me...Diz-me coisas, mas nunca acabo por compreender..e aí acordo."
"Bom, não será que andas preocupado com algo?As vezes a precupação faz-nos sonhar ou ter pesadelos uma e outra vez com as mesmas coisas"
"Não Alessandra, não é isso..é algo mais..como explicar..sinto que de algum modo, esta mulher me quer dizer algo..mas não sei o quê, nem sequer me lembro de a ter visto alguma vez..Mas o mais estranho em tudo isto..foi o que encontrei ontem em casa".
" O quê? Nao me digas que acordaste e lá estava ela, à tua espera, só com a manta?" Disse em modo de troça Alessandra, tentando libertar a seriedade na cara de Fernando.
"Encontrei um pedaço de cabelo vermelho, num canto da casa.Eu sei que não fui eu a pô-lo aí..a questão é, como foi que chegou até ali?"
" Um pedaço de...cabelo?" disse desconfiada Alessandra.
" Não será que tiveste alguma visita feminina...já começo a ficar ciumenta.." Disse sorrindo.
"Não, não, nada disso. Sabes bem que depois de ti, não tive nada com mais ninguem..Não consigo relamente entender como veio aquilo ali parar.."
" Bom, seja como for, o melhor é agora relaxarnos um pouco.Afinal vou aqui estar poucos dias, e quero aproveita-los ao máximo,já que agora que vais expôr em Viena, não sei se não terei de pedir hora e dia para te ver a próxima vez." apontou Alessandra para o relógio de pulso, para logo depois sentar-se al lado de Fernando, e dar-lhe um longo beijo." Considera isto como as boas-vindas...mesmo que tenha sido eu a chegar.Que tal se saimos daqui, e me levas a um sitio mais calmo, para...pormos a conversa em dia.Temos muito que falar, não achas?"
" Aquele " muito que falar" era uma expressão a que Fernando há muito se tinha habituado.Sabia muito bem que quando Alessandra dizia aquilo, só podia significar uma coisa..Depressa esqueceu os sonhos e a mulher de cabelos vermelhos, para sairem do café, e apanharam o tram que os levaria muito perto da casa de Fernando, para depois se envolverem numa espiral de sons, emoções e prazer..Alessandra tinha o dom de lhe poder transmitir uma força interior muito grande, e nessa noite tanto ele como ela se fundiram num mar de sabores, como há muito não acontecia.Antes de adormecer,Fernando olhou pela janela e pareceu-lhe ver uma mulher de cabelos vermelhos que lentamente passava junto a janela, para depois desaparecer por entre o brilho da lua,povoando uma vez mais os seus sonhos com um manto vermelho carmim..
O cheiro a ovos mexidos que pairava sobre a casa acordou Fernando.Ao abrir os olhos,sentiu um peso na cabeça como se estivesse estado acordado boa parte da noite." Bom dia! Finalmente acordaste." Disse Alessandra beijando-o,enquanto trazia na mão uma bandeja com ovos mexidos,sumo de ananás e pão cortado em fatias." Bom dia...mmmm,isto tem todo o ar de estar delicioso..como tu.Ontem foi simplesmente.." Fernando nao acabou a frase e prendeu os olhos no corpo de Alessandra.Adorava olhar pra ela pela manhã,adoptava o ar de quem se levantou, mas que não perde um só instante aquela beleza à italiana.Fernando percorria o corpo dela com os olhos,levava posta a t-shirt justa ao corpo,deixando-se notar os seios firmes,e uns calções de Fernando azuis claros que lhe ficavam simplesmente perfeitos." E então?Não dizes nada?" Fernando saiu do seu transe e olhou Alessandra com uma ternura que nem ele mesmo compreendia." Acho que me podia habituar a viver assim contigo..." disse,sem a olhar nos olhos. Alessandra não disse palavra,e apressou-se a ir á cozinha buscar algo. Quando voltou,tinha os olhos molhados."Que se passa? " "Não,nada..." balbuciou Alessandra." " Algo deve ter sido,para te pores assim..disse algo que não devia,foi?".Alessandra olhou Fernando nos olhos e disse muito seriamente.:" Eras realmente capaz de viver comigo?Eras mesmo capaz de me aguentar cada dia,o meu carácter,a minha maneira de ser..?"Fernando admirado pela reacção ,olhou pra ela calmamente e disse:" se te amasse,sim.".Fernando pensou por uns instantes e sentando-se ao seu lado na beira da cama perguntou:"Porque te foste embora para Italia?De quem querias fugir?" Alessandra olhou-o fixamente e não respondeu. Levantou-se em direcção á janela e ,olhando o dia ensolarado que fazia,perguntou a Fernando se não queria sair até ao Centro. Fernando levantou-se ,e agarrando num par de jeans,foi em direcção ao atelier,que ficava do outro lado do apartamento.O que viu deixou o completamente. atónito,não querendo acreditar nos seus olhos. Alessandra, notando que Fernando não voltava,foi na sua direcção ,para encontrar-lo ali, impávido,a olhar para algo." Então,ainda não te vestiste? Olha que...." . Não pode acabar a frase,já que a surpresa e admiração tomaram conta do seu corpo..."oh my...O que é isto?" Perguntou,como se a resposta viesse da boca de Fernando,que entretanto continuava paralizado,olhando o cenario que se lhe deparava: Na frente de ambos encontrava se uma manta,de retalhos,estendida no chão,rasgada a meio e pintada com letras cor de sangue as palavras " noite,chuva,homem ,copo no chão,morte....quadro." Tudo isto em meio do caos que tinha ficado o atelier,com tintas esparramadas por todo o lado ,pinceladas nas paredes a negro e vermelho,telas fora de sitio,algumas rasgadas,outras mudadas de posição..Mas a manta era o que causava arrepios a Fernando,ao ponto de se esquecer totalmente de Alessandra,e fixar se nas palavras que estavam escritas no tecido ." Não...não entendo...noite,chuva...homem??? Copo na mão,morte...quadro".Fernando estava cada vez mais perplexo,tentando pricipalmente descobrir que raios estava a passar-se ali,quem teria entrado no seu atelier durante a noite,e principalmente com que razão." Melhor chamarmos a Policia" Disse Alessandra trazendo-o de volta a realidade."Sim,talvez seja o melhor.." disse Fernando,cada vez mais perplexo com tudo aquilo...Até que reparou numa data,no canto inferior direito,a jeito de assinatura." 23 de Novembro de 1992." Ao olhar para a data,ficou branco como a cal,deixando-se levar por uma sensação de angustia e tonturas,o quarto andava a roda. E a voz de Alessandra soava ao longe,como perdida no meio da neblina..Necessitou sentar-se e quando Alessandra a seu lado,lhe perguntou o que tinha sido,que havia visto naquele tecido,Fernando olhou a fixamente,com uma expressão de angústia e olhos humedecidos e disse-lhe numa voz entumecida: " 23 de novembro de 1993.O ano da morte da minha mãe."
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